Célia Lages Virgolino
nasceu em Itaituba, em 22 de setembro de 1913, tendo falecido no dia
16/06/1995. Filha de Raimundo Joaquim Virgolino e Antônia Lages Virgolino, irmã
de Sebastião Lages Virgolino (Seu Babá) e Expedito Lages Virgolino e Antônia Lages Virgolino. Foi uma
mulher à frente de seu tempo, uma guardiã do conhecimento dedicada à leitura e
à pesquisa com o intuito de materializar suas peças teatrais de cunho social e
religioso. Apesar das dificuldades de acesso à literatura, Celita, como era
conhecida, detinha o poder da criação, da desenvoltura em muitos campos, tais
quais: religião, esporte, cultura, lazer e política. Uma mulher observadora,
detentora de um rigoroso senso de justiça. Dedicava-se à educação transversal
pautada na ética e nos bons costumes.
Serviço público
Celita foi vereadora no município de
Itaituba, município onde trabalhou por toda a sua vida, ocupando vários cargos
na Prefeitura Municipal. Na Secretaria Municipal Estrada de Rodagem – SMER
ocupou o cargo de Tesoureira tendo como colegas de trabalho João Baima e Helena
Salomão. Conta Francisco Fernandes (Chico Caçamba) que na ocasião de sua contratação, Celita reuniu
os servidores e pediu que todos comparecessem naquela noite na barraca da santa
para um jantar, solicitando ainda que estivessem trajando calça azul, camisa
branca e sapato e meia preta. Foi um momento de muita satisfação e motivação
entre os servidores.
Vida religiosa
Católica fervorosa, seu mandamento
maior foi a dedicação às práticas religiosas, tendo trabalhado na catequese, na
evangelização familiar, no Apostolado da Oração, nas atividades das Filhas de
Maria, e, em especial, no Ofício de Nossa Senhora da Conceição. Apesar de não
usar o hábito, indumentária que diferenciava as freiras das congregações
religiosas, Celita, foi consagrada a Deus, à Ordem de São Francisco, prestando
votos de Pobreza, Castidade e Obediência.
Em homenagem a seus votos perpétuos
ao Senhor, compôs um poema que retratava a opção de vida trocando o seu lar
familiar pela vida de clausura (reclusão) comum a frades e freiras. Esse poema
teve o objetivo de demonstrar o seu sentimento após ter tomado a decisão de
dedicar-se às causas pastorais da igreja, tendo sido adaptado sobre a harmonia
da música “O Destino Desfolhou” de Carlos Galhardo na toada de Francisco Petrônio,
música que ainda embala os grandes bailes da saudade:
O meu viver traduzia
Felicidade afeição
Na aurora da minha vida
No meu lar do meu rincão
Mas veio um dia o destino
Que minha sorte mudou
Troquei o meu lar paterno
Pelo claustro do Senhor
Eu os vi sem chorar
Vi o pranto, porém sem correr
E parti a sorrir
A pensar que não ia esquecer
Mais depois ah! Saudade
Que expulsei nem sei mesmo dizer
O meu Deus foi bem feliz
Que aos queridos o adeus fui dizer
Hoje relembro ditosa
Meu dia de profissão
Em que entreguei vitoriosa
A Jesus meu coração
Com os teus cravos sagrados
Que o pregaram na cruz
Assim os votos amados
Me uniram a Jesus
Em labor alegria e oração
Qual farol que conduz
Meu barquinho no seu coração
Só me resta esperar
Com a lanterna da fé a luzir
O chamado de Jesus para as núpcias
eternas fluir.
No final da década de 1970 resolveu
mudar-se para Belém do Pará por sofrer grande decepção com a reestruturação
interna da Igreja de Nossa Senhora Sant’ana, quando do desaparecimento de
algumas peças existentes na Igreja, tais como o ostensório, o Círio Pascal, e
outras. Tudo isso junto à necessidade de maior atenção à sua saúde pela idade
avançada. Deu prosseguimento aos trabalhos religiosos e assistenciais na Santa
Casa de Misericórdia acompanhando famílias carentes e professando a palavra de
Deus. Acompanhava as obras religiosas sob a égide do Frei Pedro Amém, vigário
da Paróquia de Santo Antônio de Lisboa, desenvolvendo trabalhos na Capela do
Centrão, localizada no bairro do Jurunas, onde tentou estruturar algumas peças
de teatro, mas diante de dificuldades e compromisso de seus integrantes não
obteve o resultado esperado.
Contribuição cultural
Celita trazia consigo o poder de
compor e encenar, produzindo dramatizações que impulsionavam a criatividade do
ator para a prática da representação/encenação de modo que esses atores eram
capazes de executar sua arte mimetizando fielmente a vida real. Envolvia a
juventude, transformando-as em atores capazes de encenar peças teatrais nas
diversas modalidades: drama, comédia e ficção. Dentre essas modalidades
registramos também os gêneros populares, tais como pastorinhas, quadrilhas,
cordões de pássaros e outros bichos. Além de idealizar todas essas peças,
Celita participava desenhando o modelo das vestimentas e as costurava também,
uma exímia design dos vários estilos de roupas exigidas para o figurino. Àquela
época, os padres americanos traziam muita roupa dos Estados Unidos dentro de
camburões. Ela escolhia as roupas e ajustava a cada personagem, além de buscar
outras estampas no comércio do seu Florindo, Benedito Corrêa de Souza (Bibito).
O acompanhamento musical dos cordões era ao vivo pelos músicos seu Antão (sax),
Chiclete (sax), Carlos Travessa (pandeiro), Chico Soldado (banjo e cavaquinho)
e Chico Lopes (tubadeira). Já no final da década de 60 e início de 70, eu
(Armando Mendonça) já tocava um pouco de violão, e cheguei a acompanhá-los em algumas
apresentações realizadas em diversas residências. Após a apresentação o dono da
casa oferecia o tão esperado mingau de milho, também conhecido como
chá-de-burro ou mungunzá, iguaria da quadra junina.
·
Cordões:
◦
Borboleta[1]
◦
Boi
◦
Sabiá
◦
Bem-te-vi
◦
Garça
◦
Pinguim
◦
Abelha
◦
Macaco
◦
Coelinho
◦
Trevo
da Borboleta
·
Quadras
Juninas
·
Pastorinhas[2]
·
Comédias:
◦
O
Bolo
◦
Chapeuzinho
vermelho
◦
Zé
Preguiça
·
Dramas:
◦
Rosa
de Luxemburgo
◦
A
Lenda do Príncipe que se encantou
[1] O cordão da Borboleta
foi trazido de Santarém pela Professora Anita, de Barreiras, muito conhecida da
Senhora Helena Salomão, que recebeu o cordão da professora e, por sua vez,
presenteou Celita com a peça no ano de 1946. Fato relevante ocorreu quando da
montagem do cordão, Celita percebeu que a feiticeira tinha mais poder do que o
próprio médico. Isso feria seus princípios religiosos. Assim, na versão de
Celita, a borboleta passaria a ser curada não pela feiticeira, mas, pelo
médico.
[2] A tradição das Pastorinhas é uma herança
Portuguesa implantada no Brasil no século XVI. O processo de encenação aumenta
a socialização entre os atores jovens e adultos, proporcionando aprendizagem e
compreensão sobre o nascimento do Menino Jesus. Personagens: estrela, anjo,
pastoras, e pastores, florista, samaritana, três Reis Magos, Rei Herodes e
outros.
Solidariedade
Após
sua consagração, Celita resolveu adotar uma família, a qual dedicou a sua vida,
tendo incorporado como membros, além de seu irmão Babá (falecido na década de 70),
Adriana (falecida), Raimundo, Deusimar e Raimundinha. Raimundinha era uma jovem
alegre de fácil sorriso, descontraída. Teve sua vida interrompida abruptamente, fato esse que deixou toda a cidade consternada. Itaituba, àquela
época, contava com 3.000 habitantes. Celia Lages possuía uma casa, que passou
para a família adotada. Essa família foi companheira de Celita até os últimos
dias de sua vida, fato pelo qual ela lhes guardava imensa gratidão.
Ainda
manifestando a sua solidariedade. Itaituba tinha uma carência de professores e
carência de hotelaria. Celita hospedou em sua casa as professoras da SEDUC que
vieram de Santarém para prestar serviço em Itaituba. São elas: Profa. Odeise,
Profa. Tertulina e Profa. Mariinha.
Guardiã da juventude
No
Ofício de Nossa Senhora da Conceição, Celita dedicava os sábados à Cruzada
Juvenil, onde preparava os jovens para os Sacramentos do Batismo, da Comunhão e
da Crisma. Após o compromisso com esses jovens, organizava movimentos
direcionados ao lazer. Celita Organizava
quermesses, picnics na ilha do meio e praia do sapo, em que os membros da
Cruzada eram identificados com um laço amarelo (iniciantes) ou uma faixa
amarela com uma cruz na ponta (aspirantes). Além de toda essa atenção dedicada
aos jovens, Celita tirava um pouco de seu tempo para ministrar aulas de
datilografia.
Era muito querida pela juventude,
tendo sido chamada por muitos de madrinha Célia, pois sua simpatia se estendia
aos pais, que frequentemente a escolhiam como tutora espiritual de seus filhos
no Sacramento do Batismo.
Celita tinha muita preocupação com o
lazer da juventude, mais especificamente com o das meninas, que, à época tinham
uma educação rígida pelas famílias, tolhendo-as de qualquer diversão que fosse.
Lembro aqui eventos que aconteciam durante o ano, marcados por festinhas,
programações religiosas, partidas de futebol. Nesses eventos sempre havia
aproximação dos rapazes interessados nas moças. Celita abdicava dos seus
afazeres para sair de casa em casa pedindo a autorização para os pais liberarem
as moças para participar das festinhas, assumindo toda a responsabilidade sobre
o comportamento das moças. As festinhas sempre aconteciam em casas de família,
em um dos dois clubes sociais da cidade (Auto Esporte Futebol Clube e América
Futebol Clube), ou no salão paroquial. Uma dessas casas era a residência da
própria Celita, apelidada de “Céu Azul”, até pela sua pintura e à mulher que
ela representava perante as famílias, uma mulher séria, responsável, ao mesmo
tempo brincalhona, mas sempre preocupada com postura que os jovens deveriam
tomar como comportamento padrão. Celita gostava de dançar. Tenho a lembrança
dela orientando as moças sobre como a dama deveria portar-se perante o
cavalheiro. Dizia que a dama deveria deixar o corpo leve e permitir que o
cavalheiro a levasse, diminuindo a possibilidade de errar o passo no decorrer
da música.
Amante do esporte
Celita era apaixonada por dois times
de futebol: Auto Esporte Futebol Clube e Paysandu Esporte Clube de Belém do
Para. O fanatismo pelo Paysandu era tão grande que, certa noite, Celita
surpreendeu Deuzimar (Crecré), que considerava como filho, retornando de uma
noite de curtição. Celita, ao perceber que ele havia ingerido álcool chamou sua
atenção dizendo que o álcool fazia mal à saúde e pediu que ele parasse de
beber. Deuzimar sabendo que ela era fanática pelo Paysandu, replicou: Tininha
(como ele a chamava), eu paro de beber, mas tenho uma exigência a fazer: que a
Senhora passe para o Clube do Remo que é o meu time do coração. Celita se
recolheu para dormir. Passados três dias ela chamou o Deuzimar e disse: olha,
Deuzimar, se tu quiseres continuar bebendo, continua, porque do Paysandu eu não
saio e ponto final!
O Legado
Depois
de tanto discorrer sobre momentos da trajetória de Célia Lages Virgolino, é
importante ressaltar a feliz consequência das sementes plantadas por Celita.
Aqui relembro Dona Idolazy Moraes das Neves, quando me dizia com orgulho que se
considerava discípula do conhecimento
que Celita deixou. Foi um legado muito vasto e Dona Idolazy soube extrair em
cada sentimento colocado na expressão da arte e da cultura. Idolazy seguiu a
filosofia do pensamento e da criação de Celita, produzindo fatos novos, enredos
de músicas, e toda sorte de novos trabalhos, já de origem autoral.
Considerações finais
Esta
pesquisa teve como objetivo resgatar um pouco da história de uma mulher que
viveu e produziu suas obras com manifestação além de seu tempo, seus
conhecimentos exerceram o papel de pioneira no movimento cultural e artístico
na cidade de Itaituba.
Registro
meus agradecimentos especiais à Profa. Socorro Amorim, que prestou valiosas
informações do acervo de Celita, bem como a Deuzimar, Tia Maria Viana, Tio
Celine, Dona Helena Salomão, Chico Caçamba e todos que os participaram do grupo
de discussão “Homenagem a Célia Lages Virgolino”, que foram fantásticos em
compartilhar suas lembranças com um pouco de humor, enriquecendo essa pesquisa
sobre Célia Lages Virgolino.