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segunda-feira, 9 de abril de 2012

No meio da Amazônia, Fordlândia vive era de desmanche e furto à espera de tombamento


Carros são roubados e desmanchados em várias cidades do país. Mas há uma localidade no interior do Pará que está sendo despedaçada por furtos. E a coincidência é que foi criada por uma montadora de carros: a multinacional norte-americana Ford e seu fundador.

Idealizada por Henry Ford nos anos 20 do século passado, a Fordlândia não chegou a vingar como centro de produção de borracha em plena selva amazônica, mas deixou um patrimônio histórico quase inabitado para o município de Aveiro (região oeste do Pará) e desconhecido dos brasileiros. Apesar da importância dos prédios construídos pela Ford, o local não tem a devida manutenção, ainda aguarda definição sobre o processo de tombamento e sofre com ação do tempo e de vandalismo


Na última semana, após recomendação do Ministério Público Federal (MPF), a prefeitura baixou uma portaria, determinando que a administração da vila de Fordlândia notifique sempre os casos de depredação dos edifícios e casas. Para os procuradores, o município precisa atuar com mais rigor contra a destruição do patrimônio, que foi verificada em análise in loco.    

Onde estava o campo de golfe com nove buracos, que deleitava os chefes norte-americanos, serve hoje de pastagem para bois --destino semelhante aos seringais, que foram derrubados para dar lugar à grama. Já as quadras de tênis são usadas como currais das vacas.

Muitas das obras precisam de manutenção urgente. Segundo o MPF, o antigo hospital, o galpão do trapiche e as casas da Vila Americana foram os locais mais afetados e que mais precisam de atenção especial.
À espera do tombamento
A região que guarda todas as construções de um projeto audacioso, mas fracassado, está sendo estudada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que vai decidir se o local fará mesmo parte do patrimônio histórico nacional. Porém, não há prazo para conclusão do processo, que começou há pelo menos seis anos. 
“Mas até que saia a análise, a área é considerada protegida. Esse processo passa por técnicos daqui e de Brasília, e normalmente é demorado porque necessita de estudos históricos detalhados”, explicou a técnica em arquitetura e urbanismo do Iphan no Pará, Tatiana Borges.
Segundo o Iphan, o hospital e uma das casas da vila foram completamente destelhados nos últimos anos, conforme análise feita no local. “Tudo isso está sendo apurado. Tem gente que diz que as telhas foram retiradas com autorização. Tem uma parte dos galpões industriais, na área do cercado, que está desocupada. E as casas estão bem avariadas, porque ficam abandonadas, e as pessoas começam a depredar”, explicou.
Borges ainda afirmou que o município de Aveiro assinou um termo para garantir a conservação e, em contrapartida, receberá recursos federais para reformar o local. “É por meio do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] das cidades históricas, em um acordo com a prefeitura. Em caso de prédios históricos, um imóvel precisa de manutenção, restauração e proteção. Se você restaura e não fiscaliza, fica à mercê de vândalos”, disse a técnica.

Sobre a responsabilização pelos danos, o Iphan acredita que a culpa é do município que agora se comprometeu a fiscalizar a região.

“Nós ficamos fiscalizando à distância. Nosso quadro técnico é reduzidíssimo. Pedimos que as prefeituras fiscalizem, pois é muito mais fácil para eles, que estão perto, do que para nós. No caso da Fordlândia, houve esse comprometimento também do município”, afirmou.

Ciclo da borracha
O ciclo da borracha transformou a Amazônia na região mais rica do país no final do século 19, cuja síntese máxima é o suntuoso teatro Amazonas, em Manaus, com seus mármores italianos e seu entorno com ruas emborrachadas para evitar que o barulho das carruagens atrapalhasse os recitais líricos.

ONDE FICA O PARÁ FORDISTA
Mas a situação mudou quando o inglês Henry Wickman inaugurou a “biopirataria” e levou sementes e mudas para as colônias britânicas na Ásia. Na primeira década do século 20, os barões da borracha não conseguiam fazer mais frente ao preço barato do látex extraído das plantações na Malásia, Sri Lanka e Indonésia.
Irritado com o quase monopólio dos britânicos em relação ao produto que garantia os pneus de seus veículos, Henry Ford imaginou reproduzir no Pará as fazendas de Hevea brasiliensis nos moldes asiáticos e não do jeito original (espalhada pela floresta, o que obrigava o seringueiro a percorrer longos caminhos).
Idealizador da revolucionária linha de montagem, que reinventou o capitalismo, Ford queria controlar toda a cadeia de produção. Nos EUA, ele tinha minas de ferro e carvão, que iam para suas metalurgias para forjar as peças automotivas. Por isso, não é de se estranhar que ele quisesse produzir a matéria-prima para seus pneus e todas as partes emborrachadas de seus carros.
O homem mais rico do mundo à época só não contava que a seringueira sofria com pragas de fungos e parasitas em seu local original (o que não acontecia na Ásia). E uma planta ao lado da outra só aumentava a velocidade da infestação.
A produção em Fordlândia e Belterra nunca chegou a 1% do total mundial, mesmo durante a ocupação japonesa das plantações no Sudeste Asiático. E a empresa ainda sofreu com greves, motins, oposição dos antigos barões paraenses e dos políticos locais --inclusive da prefeitura de Aveiro, que hoje tem que zelar pelo que restou da aventura fordista.
Fordlândia saiu do papel em 1927, mas, após pestes nas plantações e motins de seus trabalhadores, ganhou em 1934 uma cidade-irmã: Belterra, na outra margem do Tapajós, um dia e meio rio acima. Esse projeto também não foi bem-sucedido, mas, pelo menos, o local ficou como sede de um município, e as edificações por lá estão preservadas. A Ford abandonou seus empreendimentos brasileiros em 1945, que ficaram a cargo do Ministério da Agricultura por mais uns anos até caírem no descaso.
Em 1945, o latéx sintético finalmente ficou comercialmente viável graças ao acordo dos EUA com a Arábia Saudita, que passou a vender barato o petróleo que substituía a seiva amazônica como base da borracha. Em 1951, o país das seringueiras vive um momento revelador do fim de um ciclo econômico: no porto de Santos chega o primeiro carregamento de borracha vinda de Cingapura.
A triste coincidência histórica é que atualmente Detroit (EUA), conhecida como “Motor City”, também vive um processo de deterioração que acompanha toda indústria automobilística norte-americana. Vários prédios que foram da Ford na região de Michigan estão em ruínas como na brasileira Fordlândia.

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