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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Rafael Samora entrevista Armando Mendonça Filho

Esta entrevista merece ser publicada, pela sutileza e
refinamento da escrita do Rafael Samora
Rafael Samora Mendonça dos Santos - Entrevistando

Aluno de Jonalismo da Universidade da Amazônia - UNAMA


Armando Mendonça Filho - Entrevistado
Aluno do Curso de Bacharelado em Música
Universidade do Estado doPará
- UEPA


Entre o bem e o mal: o (não) dilema da boa música.

Ao final da entrevista, fomos tomar um suco qualquer em uma padaria na Presidente Vargas. Conversando informalmente, fui percebendo novos aspectos de Armando Mendonça. Com apenas 19 anos, já tocará em diversas apresentações, formais e informais, promovidas pelo Conservatório Carlos Gomes e UEPA. A música é a, incontestável, grande paixão do rapaz, pois, não conformado com a sobriedade de tudo que vem do erudito (salve algumas obras mais densas e cáusticas), buscou na música popular ou boêmia, fechar esta prazerosa Gestalt. Aliás, sobre esta diferença é categórico ao afirmar que “nós sentimos necessidade em dizer ´eu sou isso´, no meu caso eu prefiro dizer ´eu sou tudo isso´ e reconhecer que existe um choque sim, porém pensar que não necessariamente, o erudito e o popular, o estrangeiro e o nativo, se oponham, mas que possa haver um diálogo entre essas duas culturas expandindo as possibilidades e referências que cada uma tem tanto a oferecer a outra.”.

Quando criança teve certa dificuldade para se adaptar a rigidez de uma sala de paredes brancas repleta de crianças de uniforme branco com a escrita “Carlos Gomes” (algumas evidentemente serigrafadas) estampada no peito. Seu pai, também Armando Mendonça, como muitos residentes de Belém, veio do interior para estudar na UFPA, formou-se em Filosofia e sempre foi um amante de música. Como em qualquer festa de família (segundo mandam os bons costumes interioranos), se reúnem todos os irmãos e parentes possíveis para confraternizar o tema da festa. No caso de Armando Filho, os seus dez tios sempre buscavam colocar as suas crias para provas de fogo. Nas rodinhas intermináveis de violão, surgia o momento de colocar no centro da roda, os mais novos. Nestas situações, o nervosismo se tornava latente. Foi assim que Armando, há cinco meses, se sentiu quando fez o teste para ingressar como músico de reforço da Orquestra do Theatro da Paz. Todos os olhos voltados para ele trazendo à tona aquela velha sensação de nervosismo. Por sorte, de parente, só estavam na platéia seus pais e irmão (e mais os músicos e maestros que o avaliaram).

O suco já estava quase no fim quando o rapaz recebeu uma ligação em seu celular “modelo básico”. Simples até nisto, usava uma sandália de couro hippie, bermuda e camisa do círio de 2007. “Claro que quero cara! A gente se fala esses dias”. Era um amigo o convidando para tocar percussão e viola em uma festa que tem como foco o samba de raiz. Quando perguntei sobre a percussão, ele decorreu sobre sua paixão as raízes da música brasileira e paraense. Neste sentido, paradoxalmente para alguns, natural para outros, Armando faz parte do Grupo Verbus. Nascido em Novembro de 2007, o grupo começou se apresentando em alguns bares cults de Belém até passar para espaços maiores como o boteco São Matheus. Armando passou a fazer parte do grupo no meio de 2008 e recentemente, com o grupo, abriu a noite do show de Paulinho Moska, em seu local de trabalho: Theatro da Paz. “é um processo muito intenso e muito envolvente”. Armando Mendonça e Felipe Cordeiro, são os únicos músicos do Grupo. Os outros integrantes são atores. “É uma responsabilidade que está sendo muito saudável para mim, ser o único músico junto com o Felipe Cordeiro (violonista) e trabalhar com um corpo de atores tão acessível e talentoso, está sendo uma escola, uma das mais prazerosas.”. Ele toca viola e percussão no grupo.

Atualmente, Armando está no segundo ano de seu curso superior de Bacharelado em Viola pela Universidade Estadual do Pará. Estudou por nove anos no Conservatório Carlos Gomes e entrar na Universidade para cursar o Bacharelado em Viola foi um processo peculiar. O fato curioso deste curso em si é que Armando é um dos únicos músicos clássicos paraenses, que se dedicam plenamente a este instrumento. Disponível para Orquestra é só ele, e, mais duas pessoas em todo o Estado. Escolheu o instrumento aos treze anos depois de ter sido apresentado a esta nova sonoridade, por uma professora do Rio do Grande do Sul. Até então, o violino era o seu instrumento de estudo. “quando ela me apresentou a sonoridade mais escura e grave da viola eu não resisti, troquei na hora” comenta. A escassez de Violistas em Belém se dá principalmente pela falta de popularidade do instrumento. Todos os profissionais formados aqui estão na Europa, EUA ou alguma outra parte do Brasil. “Mas esse é um quadro que vai ser revestido, a família está crescendo rs”.

Quase que irresistivelmente, tive que trazer a discussão (já que falávamos das forças populares e eruditas na música e arte), a questão do Tecnobrega e, todo o espaço que este movimento ganhou, não só aqui no Estado do Pará, como pelo Brasil a fora. Como eu já esperava (pelo o que conheci e pude filtrar), ele respondeu a altura dos seus atos. “É sem dúvida um dos maiores fenômenos da indústria cultural, a divulgação das músicas (muitas vezes com gravações caseiras) sendo feitas simplesmente distribuídas de mão em mão pelos compositores para camelôs e DJs em festas por aí, e funciona, faz sucesso”. Neste momento, um carro som passa na rua ao lado do local da entrevista atrapalhando a nossa conversa. Tocava tecnobrega. “Não me atrevo a criticar artisticamente o movimento, sair por aí fazendo listinhas de defeitos da harmonia, letra, etc. somente os críticos são arrogantes o suficiente pra achar que podem fazer isso” comentou. E finalizou “Acho que essas qualidades nem são objetivo de quem faz esse tipo de música, prefiro deixar o movimento para o estudo dos antropólogos, pois considero o Tecnobrega, um fenômeno de cunho muito mais social, como expressão de uma classe, do que de expressão artística (...). Ah, e não, eu não colocaria no meu som para tocar rs”. Sorrimos juntos. A questão principal deste movimento é a força que ele tem. A sua quase independência. Quase, pois em alguns pontos, precisam das mídias (CDs, DVDs, etc), dos programas, do computador. Mas não há como negar que a eficácia de distribuição, divulgação e vendas são louváveis. É uma atitude mercantil independente de grandes gravadoras ou especialistas da área comercial da arte.

Ao final da entrevista, antes de irmos tomar o suco em uma padaria qualquer da Presidente Vargas, perguntei sobre a vida do músico em Belém. Músico da noite, músico de orquestra, músico de casamento, músico de churrascaria, músico de ano novo. O músico ainda é visto como um produto secundário no mercado de trabalho. Paga-se mal, fatidicamente. Em primeiro momento, Armando soa negativo (com razão) “É penoso, sofrido, faltam oportunidades, espaço, valorização, falta estrutura”. De fato, porém “tenho um olhar otimista com relação ao Pará, tem muita gente bem intencionada saindo para estudar e pretendendo voltar para trazer as experiências, acredito que seja por aí que a coisa deva andar, por nós mesmos, jovens, tocando o futuro dessa terra, é pouco confortável pensar em fazer as coisas sozinhos e sem o apoio devido de ´quem vem de cima´, mas nada de braços cruzados”. Armando, aos dezenove anos, mostra-se original. Nesta pequena fala, sem querer talvez (ou não), fez uma crítica a diversas pessoas com mentalidade andarilha. Andarilho, não para explorar o mundo e sim para dar o fora desta terra sem lei. Reclamar e ir embora. O futuro está nestas pessoas que vão e voltam para adicionar ao Estado. A mudança começa pela base e talvez este seja um caminho a se seguir. Existem outros. Louvável este citado pelo Violista. “Tenho uma relação muito calorosa e íntima desde muito novo respiro a música popular no meu cotidiano, principalmente no ambiente familiar. Hoje em dia essa música já se tornou também, além de paixão, meu estudo e meu trabalho (ainda bem)”. Talvez “amém” seria melhor.