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sábado, 11 de fevereiro de 2012

O charme da cozinha paraense


GASTRONOMIA - 10/02/2012 15h18 - Atualizado em 10/02/2012 21h39

Quem é Thiago Castanho, o chef de 24 anos que, em experiências quase científicas, transforma ingredientes tradicionais em pratos sofisticados

ISMAEL MACHADO, DE BELÉM

OUSADIA TRADICIONAL O chef Thiago Castanho, no salão do recém-inaugurado Remanso do Bosque, em Belém, Pará. Abaixo, peixe pirarucu defumado com nhoque de banana-da-terra e molho de urucum (Foto: João Ramid/ÉPOCA)

OUSADIA TRADICIONAL
O chef Thiago Castanho, no salão do recém-inaugurado Remanso do Bosque, em Belém, Pará. Abaixo, peixe pirarucu defumado com nhoque de banana-da-terra e molho de urucum (Foto: João Ramid/ÉPOCA).


Peixe pirarucu defumado com banana-da-terra e molho de urucum (Foto: João Ramid/ÉPOCA)



Quando cursava o ensino médio, Thiago Castanho imaginava estudar gastronomia. Os amigos brincavam. “Aproveita e vai estudar corte e costura”, diziam. Menos de uma década depois, Castanho é a mais promissora sensação brasileira no comando dos fogões. Misturando ingredientes tradicionais da região amazônica com experiências quase científicas, Castanho é um autêntico chef moderno, sem renegar suas origens. Ele acaba de inaugurar o segundo restaurante da família. Aberto em dezembro, o Remanso do Bosque é o espaço escolhido para inovar. Seu primeiro restaurante, o Remanso do Peixe, de 2004, mantém a tradição.

Com 24 anos e porte de galã, Castanho transforma elementos populares na Amazônia em matéria-prima sofisticada para seus pratos. Fez da pele do peixe pirarucu uma refinada torrada, servida como entrada. Foram semanas de experiências até Castanho descobrir que o ponto crocante ideal é atingido ao desidratar a pele e, só então, fritar. Em outras de suas experiências, descobriu que a semente de cumaru, com aroma que lembra baunilha, cravo e amêndoa-amarga, poderia ser um ingrediente culinário sofisticado. Virou um tipo de caramelo, usado para cobrir bolo de tapioca. Por tentativa e erro, Castanho descobriu a quantidade ideal de cumaru a usar nas receitas. São 15 gramas da semente, fervida em 1 litro de água ou leite. A fonte para essas experimentações está perto. É o famoso mercado Ver-o-Peso, em Belém, repleto de frutas e ervas das mais variadas espécies. Castanho também busca inspiração em botecos, onde o típico se une ao peculiar.

Inovar usando a culinária amazônica foi um caminho aberto no Brasil por chefs como o paraense Paulo Martins, que morreu em 2010. Martins foi um dos primeiros a ousar no uso de ingredientes tradicionais. “Castanho optou por uma linha mais moderna, mas com o mesmo espírito de experimentação do meu pai”, diz a filha de Martins, Joanna. Ela passou a comandar o restaurante Lá em Casa depois da morte do pai. Castanho pegou carona na onda disseminada pelo chef catalão Ferran Adrià. Entre 2006 e 2009, Adrià viu sua casa, El Bulli, na Espanha, ocupar a primeira posição do ranking da revista britânica Restaurant, repetindo o feito conseguido em 2002. Ele fechou o El Bulli no ano passado para se dedicar à pesquisa e ao ensino de culinária. Considerado o Salvador Dalí da gastronomia, Adrià foi à Amazônia, provou os sabores oferecidos por ervas, sementes e frutos da região e se encantou com o toque tão diferente das iguarias europeias. Essa mistura de sofisticação e tradição, caminho seguido por chefs renomados como o paulistano Alex Atala, tem dado certo para Castanho. “Ele é um guerreiro amazônico, mas com sensibilidade”, diz Atala, dono do D.O.M., em São Paulo, considerado o sétimo melhor restaurante do mundo pela Restaurant.

Embora tenha roubado o sobrenome da mãe, a paixão de Castanho pela cozinha vem do pai, Francisco da Silva Santos, de 56 anos. Santos era contador e exportava pimenta-do-reino. Depois de levar alguns calotes e de ser assaltado três vezes, optou por fazer do hobby uma fonte de sustento. Passou a vender pizzas para a vizinhança. Thiago e o irmão Felipe entregavam. Foram dois anos assim. Em 2004, surgiu o primeiro restaurante, sucesso até hoje na cidade. Especializado em pescado, o Remanso do Peixe conquistou fregueses no boca a boca, até a fama ultrapassar as fronteiras da cidade. A casa da família foi adaptada para receber os clientes. Castanho, o irmão e a mãe serviam as mesas. “Meu pai sempre foi cozinheiro. Eu ajudava na preparação ou lavava a louça, estava sempre por perto das panelas”, diz Castanho. Ele se lembra, ainda criança, de pegar no quintal folhas de chicória para dar gosto aos peixes preparados pelo pai.

O rito de passagem do atendimento no salão do Remanso do Peixe para os mistérios da cozinha aconteceu quando o pai contratou um garçom – e Castanho perdeu o cargo. Em 2005, aos 18 anos, foi fazer faculdade de gastronomia em Campos de Jordão, São Paulo, contrariando a tradição familiar, cujo conhecimento culinário vinha da intuição e dos costumes populares. Durante o curso, Castanho frequentava eventos gastronômicos. Num deles, conheceu o chef português Vitor Sobral. Sobral levou Castanho a estagiar durante seis meses em seu restaurante em Lisboa, o Terreiro do Paço. “Foi minha segunda influência depois do meu pai”, diz. Apesar da experiência internacional, Castanho manteve suas raízes. A mistura deu tão certo que o chef galã quase não tem tempo para namorar. “Minhas poucas noitadas acabam na cozinha”, diz. As pretendentes não devem achar ruim.


2 comentários:

  1. Frequento os restaurantes Remanso do Peixe e o Remanso do Bosque, os dois essencialmente excelentes, mas com sutil e importante diferença entre os dois,a técnica. No remanso do Peixe os pratos oferecidos como se fosse na sua própria casa,temos a tradição formada pela intuição pelo conhecimento popular da cozinha paraense no comando o Chef Francisco, no Remanso do Bosque a técnica estudada cientificamente, tem dado muito certo,e é tão gostosa quanto, com o mesmo estilo de atenção, simpatia e dedicação pelo Thiago. A marca da familia Remanso.
    Um grande abraço e sucesso sempre!!
    Altair Viana.

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  2. Frequentei uma vez o Remanso do Peixe. Fina flor do que se possa imaginar em qualidade e bom gosto. O sabor das atrações nos faz acreditar que tudo que se faz com amor, o resultado, inquestionavelmente, destina-se ao sucesso. Espero em breve apreciar o Remanso do Bosque. A internacionalização, pesquisas, mas sem esquecer das raízes. Tudo com requinte.
    Vida longa!
    Luiz Henrique Macêdo

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