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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Da Marujada de Quatipuru ao projeto de pesquisa

O que me move? O que gera o movimento em mim? O que me desloca de um estado inicial para um estado, tempo/espaço, outro? Não sei se posso responder. Ainda não racionalizo bem. Intuo possibilidades, crio histórias, canções e projetos.

Opto agora por tentar desenhar o caminho do meu movimento em direção aos mascarados da Marujada de São Benedito em Quatipuru, o fazendo sem referência teórica alguma, buscando relacionar/racionalizar o meu próprio caos de referências pessoais, entre pessoas, livros e espetáculos que me cruzaram.

Tentando relembrar alguma coisa que eu li sobre o teatro grego, no início do meu curso de Letras, no comecinho da minha empreitada rumo à descoberta do teatro em mim, se não me falha a memória, entusiasmo é ter deus dentro de si. O entusiasmo, se não estou enganado, está associado a Dionísio, provavelmente o deus mais subversivo, controverso e ambíguo do panteão grego. Nos cultos a Dionísio, dizem, dava-se vazão aos prazeres num sentido religioso de estabelecimento da verticalidade. No riso e no gozo, aquelas pessoas distantes, supostamente, em êxtase e entusiasmo atualizavam o sentido da vida com festa e arte.

É assim em toda festa de família na minha casa, comemos, bebemos, cantamos e atualizamos a memória de nossos ancestrais. Então rimos, contamos aquela história engraçada do tio Roberto e, às vezes, até choramos a saudade do vovô, enfim, enchemos nossas vidas de deus, com festa e arte.

Em casa eu aprendi a valorizar o encontro e o estar junto das pessoas que amo, e aprendi a fazê-lo cantando, tocando, dançando, rindo e contando histórias. Para mim, é aí que começo a me interessar pelo teatro, mas não o “teatrão” como a gente fala em Belém, ou o “teatro ortodoxo” como eu ouvi de um professor outro dia. O teatro que arde em mim é um teatro de encontro e celebração, teatro imaginário, um teatro festivo em que haja toque, abraço, e entusiasmo. Assim como aprendi em casa. Assim como aprendi com os Palhaços Trovadores, com o Grupo Verbus, com o Grupo Junino Pássaro Tem-Tem, com o Cordão de Bruta Flor, com os mascarados da Marujada de São Benedito em Quatipuru.

Emprestando irresponsavelmente a noção de ti, a busca/prática de uma ancestralidade festiva é o que me move. É o que gera movimento em mim, poeticamente e literalmente. Minha chegada em Quatipuru teve um sentido religioso extremo. Religioso no sentido de uma das interpretações etimológicas da origem latina em religare, ou seja, religar, re-estabelecer o contato do homem com a verticalidade, e, em mim, uma potente metáfora do sentido da arte na vida, o entusiasmo. Minha experiência na Marujada de São Benedito em Quatipuru, somando os dias, dever contar uma semana, mas reverbera em mim sempre. Isso é real, mesmo que a minha memória da festa seja uma criação pessoal, assim como toda memória. Algo aconteceu nesse encontro e eu não sei bem o quê. Sei que hoje aprendi que se deve ter um São Benedito na cozinha, e aprendi também que ele gosta de café, quente e preto, e eu faço o gosto do santo, porque o tambor que eu ouvi tocar em Quatipuru na festa dele ressoou e ressoa no meu peito.

Quero logo que chegue dezembro para que eu possa estar lá para ver de perto, mais perto, de dentro, o quanto for possível. Quero compreender que processo é esse de relação com a verticalidade que se dá pelo corpo, pelo corpo que dança, o corpo que come, que bebe, o corpo cômico, grotesco, risível, que atualiza uma ancestralidade festiva, e que reverbera em mim. Eu que, supostamente, deveria estar distante, observador, etnocenólogo, mas que estou imerso, perigosamente envolvido, ou com as graças de São Benedito envolvido, entusiasmado, afinal eu também sou artista, e não posso conceber processo criativo algum sem um ir e vir entre razão e intuição, entre o meu Dionísio na rua e o meu Apolo que escreve em casa e interpreta vias do sublime, da beleza da vida e da arte.

Thales Branche Paes de Mendonça
Licenciatura em Letras – UFPA
Aluno de Mestrado UFBA

5 comentários:

  1. O conteúdo tá excelente, com um único senão: nosso Deus está escrito em minúsculo, creio que foi uma distração.

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  2. O nosso Deus é escrito sempre com letra maiúscula, o que é incontestável. Como o texto está fazendo referência aos deuses gregos, a escrita é com letra minúscula.

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  3. Entendo a questão, e acho que vale aprofundar um pouquinho no esclarecimento que papai já começou. A noção de "entusiasmo" refere-se a tradição do teatro grego, que atribuia ao ator "entusiasmado", por assim dizer, a condição de estar cheio, preenchido por dentro, de deus. Se escreve com letra minúscula por se tratar de uma tradição politeísta, e não do Deus uno, o Deus cristão. Para mim, o "entusiasmo" é mais uma metáfora do estado divino que percebo em todos nós quando estamos em comunhão, em comunidade, em família fazendo a festa, seja no teatro, em casa ou na rua. O texto não fala sobre religião, é mais uma tentativa de perceber na festa, meu objeto de pesquisa, um complexo que pode envolver o prazer de celebrar a vida em grupo e a atualização de nossas memórias, um gesto de contato com nossa ancestralidade, nossos mortos, todos eles, até Jesus, que adorava comer junto, igual na casa do vovô.

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  4. Entrei no tema ortográfico e a coisa desandou para algo mais profundo; fiz um contraponto em escrever "Baco", Dionísio, e Apolo maiúsculo; bem! deixa pra lá...O essencial mantenho: o conteúdo tá excelente.

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  5. Nossa como escreve bem!Vc talvez nao saiba mas acredito na felicidade apostei nesse sentimento qdo seu pai disse que prestaria vestibular para o Curso de Letras e hj vc e mestrando e como se eu tivesse sido sua professora mas somente no ato de acreditar no aluno!!!!!E eu penso que devemos e temos o direito de srmos felizes e vejo e sinto qdo li seu texto, que es feliz com a escolha de sua profissao parabens!!!!Maysa

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