O E-MAIL E O POETA
Poesia é aquele gênero que todo mundo adora, mas só meia dúzia lê. Nunca figura na lista dos mais vendidos. O poeta, pra virar conhecido, precisa ganhar prêmio, ter seus poemas musicados ou, sei lá, inspirar algum filme de sucesso. No meu caso, as três coisas aconteceram. Nunca me faltou reconhecimento. Mas o que me deixou famoso, postumamente, até mesmo na parada de ônibus, foi o filme O Carteiro e o Poeta. Lembram? Essa película fez muito sucesso na década de 90. Era o filme que todo mundo gostava de gostar.
O enredo era mais ou menos esse: durante o meu exílio político em uma charmosa e bela ilha da Itália (na verdade me exilei na fria Isla Negra – pertencente ao Chile), para manter a minha correspondência em dia, eu contrato um carteiro extra. Esse sujeito, quase analfabeto, aprende, através da convivência comigo, a escrever seus sentimentos por sua amada. Ele acaba conquistando-a (depois dizem que a poesia não serve pra nada). E eu, em troca, ganhei um ouvinte atento e compreensivo para as lembranças saudosas de minha pátria.
Estou contando isso porque, esses dias, eu li num caderno de informática que o e-mail vai desaparecer. Os autores do artigo sustentam que as mensagens enviadas através de redes sociais, telefones celulares e comunicadores tipo Messenger estão relegando ao velho e-mail o papel de trafegar apenas as informações comerciais. Mais ou menos o que aconteceu com a nossa caixa de correspondência, que hoje não passa de um amontoado de contas e malas-diretas nos vendendo coisas que não precisamos. Com exceção de uma oferta de pílulas azuis sem receita que estão muito em conta, mas isso não vem ao caso agora.
O e-mail ainda era o último elo natural com a arcaica carta de papel. Mesmo que seu envio fosse instantâneo e sem selo, sua lógica obedecia aos princípios de sua antecessora. Há muita gente preocupada com o embate livro físico x livro digital. Mas vejo poucos atentos a um gênero literário que está com os seus dias contados: a correspondência. Gênero esse que já produziu obras de grande relevância, como Carta ao Pai de Kafka, Na missiva, Kafka fazia um ajuste de contas com seu autoritário pai. No fim, nem a enviou ao seu progenitor, ficou com medinho. Nos dias de hoje, essa pérola literária seria reduzida a um mero SMS dizendo: pai, larga do meu. Abs K. E o mundo ficaria sem saber que aquelas loucuras envolvendo baratas, absurdos e burocracia até que eram bem razoáveis, para quem teve um pai como aquele. Falar em pai, o da psicanálise teve a correspondência de mais de 34 anos com sua filha, Anna, reunida em livro. E assim curiosos e profissionais puderam estudar a intimidade de Freud. Se esse material fosse produzido hoje, só teríamos coisas como:
- Chegou bem, filha?
- Cheguei.
- E o seu id e o seu superego também?
Num mundo onde é possível se comunicar a qualquer hora, em qualquer lugar e de diversas maneiras, a carta deixou de ser útil, perdeu seu sentido original.
Uma pena. Os livros de correspondência nos forneciam outro tipo de dado sobre a intimidade, registravam com muita naturalidade os momentos individuais e coletivos. Mas não adianta reclamar. É um caminho sem volta e rápido. Em breve, a revista CartaCapital se chamará SMS Capital, Papai Noel só receberá tuites das crianças e condutores precisarão tirar DM de motorista. Uma coisa será boa. Livros como Cartas Entre Amigos de Gabriel Chalita e padre Fábio de Melo também deixarão de existir.
POSTADO POR: Neruda
Revista Capital ANO XVI Nº 638 - 23/03/2011
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